O “senso crítico” existe, eis o contendor de qualquer
pensamento sério. O filósofo trotskista Vladimir Safatle define a crítica como
um processo de analogia objetual. Exemplo: há dois ou mais objetos; a crítica,
nada mais será do que a comparação de possibilidades e impossibilidades que
cada um deles carrega na sua fórmula intrínseca: esse é o organismo da
dialética.
Quando, dentro de uma problemática qualquer, o contexto for
unilateral é esgotada a capacidade de, nessa mesma problemática, estabelecer um
pensamento dialético, até porque, sem uma bipolaridade explícita, a comparação
de objetos torna-se inviável, porém, isso não exclui o exame metafísico de um
único problema que não possua antagonismo, antíteses ou esferas comparativas.
O contato é mais do que necessário, sem ele a crítica é um
conceito sem fundamento, ou apenas uma impressão intuitiva ou mágica.
Essas são as bases do silogismo cognitivo de qualquer ser
humano, vejamos situações alegóricas:
- A miséria, como regra geral e inerente a condição do ser humano, não tem nenhum valor ou definição concreta se a riqueza não for evidente, logo, o homem que vive isolado do mundo suntuoso não sabe o que é a opulência, assim, esse mesmo homem, pode até sofrer por seu status, porém entende a sua desgraça como algo natural e inseparável da sua ordem de vida.
- Quando o luxo é notório, a analogia de fatos é viável, pois, agora, riqueza e pobreza tornam-se conceitos, ainda que abstratos, que podem ser conferidos com a mais simples das reflexões.
O matuto do sertão esquecido e o pobre da cidade,
respectivamente, ilustram esses dois tópicos.
Os dois já foram exaustivamente tratados por cineastas, escritores
e compositores durante todo o período dos séculos XIX ao XXI no Brasil, quase
sempre, com um sensacionalismo absurdo e total falta de conhecimento empírico
de tais questões. Muitos deles, de José de Alencar à Chico Buarque e,
posteriormente, diretores da Globo Filmes, idolatraram a pobreza quase que como
uma virtude do ser humano, ao passo de que, todos viviam, ou vivem, no maior
conforto em seus apartamentos na Barra da Tijuca.
Toda classe artística foi doutrinada pela ideologia do
social e, esquecendo nossa experiência, fomos impelidos a acreditar que a luta
de classes é um problema moral. Acreditar em tal fetiche não seria imoral, se
por trás de tudo isso não houvesse interesses políticos em ação.
Da metade do século XX em diante, as idéias marxistas
emergiram com base em uma articulação doutrinária que inseriu as idéias de
esquerda em dois níveis estratégicos:
- Show Business, arte, mídia e cultura em geral.
- Políticas públicas.
Só num Estado Democrático de Direito essa metodologia,
idealizada pelo italiano Antonio Gramsci, encontra solo fértil. Em governos
opressores, qualquer suspeita de insidio ao regime é sumariamente eliminada
(recomendo o documentário: “S21, A Máquina de Morte do Khmer Vermelho”, filme
que trata do modus operandi do
Partido Comunista do Camboja.). Já em países democráticos, onde criticar o
governo é um ato de heroísmo, qualquer idéia, por mais fascista que seja, deve
ser aceita em nome da saúde de um valor que ninguém acredita.
Que autoridade tenho para falar sobre a questão o objetual
do começo desse texto? Toda! Sou um miserável da cidade, como naquele segundo
exemplo. Minhas angústias da infância, não tinham nada a ver com as coisas que
eu não possuía, antes, eram todas voltadas ao videogame, a bicicleta e aos
brinquedos dos meus amigos. Cresci com o afã pela grandeza e por superação e
hoje meus planos de vida são estratosféricos.
Minha mãe, cearense, retirante e mãe solteira, viveu por uns
vinte anos no interior do nordeste brasileiro em situação precária, assim como
todas as pessoas que ela conhecia na época, e seus objetivos econômicos, hoje,
são os mais simplórios possíveis.
A opulência é subjetiva e a inveja engrandece o espírito,
porém, quem tem impulso ao que é pequeno, quem é fraco e, mesmo dispondo de
toda as condições para a vitória, perde constantemente, só se fortalece quando
encontra seu “grupinho”.
O glamour é uma prerrogativa íntima do sujeito. O intercurso
das massas não passa de palavras de ordem combinadas. A liberdade encarcerada
do homem solitário me encanta.