domingo, 20 de outubro de 2013

Do Pensamento Dialético ao Potencial do Indivíduo



O “senso crítico” existe, eis o contendor de qualquer pensamento sério. O filósofo trotskista Vladimir Safatle define a crítica como um processo de analogia objetual. Exemplo: há dois ou mais objetos; a crítica, nada mais será do que a comparação de possibilidades e impossibilidades que cada um deles carrega na sua fórmula intrínseca: esse é o organismo da dialética.
Quando, dentro de uma problemática qualquer, o contexto for unilateral é esgotada a capacidade de, nessa mesma problemática, estabelecer um pensamento dialético, até porque, sem uma bipolaridade explícita, a comparação de objetos torna-se inviável, porém, isso não exclui o exame metafísico de um único problema que não possua antagonismo, antíteses ou esferas comparativas.
O contato é mais do que necessário, sem ele a crítica é um conceito sem fundamento, ou apenas uma impressão intuitiva ou mágica.
Essas são as bases do silogismo cognitivo de qualquer ser humano, vejamos situações alegóricas:

  1. A miséria, como regra geral e inerente a condição do ser humano, não tem nenhum valor ou definição concreta se a riqueza não for evidente, logo, o homem que vive isolado do mundo suntuoso não sabe o que é a opulência, assim, esse mesmo homem, pode até sofrer por seu status, porém entende a sua desgraça como algo natural e inseparável da sua ordem de vida.
  2. Quando o luxo é notório, a analogia de fatos é viável, pois, agora, riqueza e pobreza tornam-se conceitos, ainda que abstratos, que podem ser conferidos com a mais simples das reflexões.

O matuto do sertão esquecido e o pobre da cidade, respectivamente, ilustram esses dois tópicos.
Os dois já foram exaustivamente tratados por cineastas, escritores e compositores durante todo o período dos séculos XIX ao XXI no Brasil, quase sempre, com um sensacionalismo absurdo e total falta de conhecimento empírico de tais questões. Muitos deles, de José de Alencar à Chico Buarque e, posteriormente, diretores da Globo Filmes, idolatraram a pobreza quase que como uma virtude do ser humano, ao passo de que, todos viviam, ou vivem, no maior conforto em seus apartamentos na Barra da Tijuca.
Toda classe artística foi doutrinada pela ideologia do social e, esquecendo nossa experiência, fomos impelidos a acreditar que a luta de classes é um problema moral. Acreditar em tal fetiche não seria imoral, se por trás de tudo isso não houvesse interesses políticos em ação.
Da metade do século XX em diante, as idéias marxistas emergiram com base em uma articulação doutrinária que inseriu as idéias de esquerda em dois níveis estratégicos:

  1. Show Business, arte, mídia e cultura em geral.
  2. Políticas públicas.

Só num Estado Democrático de Direito essa metodologia, idealizada pelo italiano Antonio Gramsci, encontra solo fértil. Em governos opressores, qualquer suspeita de insidio ao regime é sumariamente eliminada (recomendo o documentário: “S21, A Máquina de Morte do Khmer Vermelho”, filme que trata do modus operandi do Partido Comunista do Camboja.). Já em países democráticos, onde criticar o governo é um ato de heroísmo, qualquer idéia, por mais fascista que seja, deve ser aceita em nome da saúde de um valor que ninguém acredita.
Que autoridade tenho para falar sobre a questão o objetual do começo desse texto? Toda! Sou um miserável da cidade, como naquele segundo exemplo. Minhas angústias da infância, não tinham nada a ver com as coisas que eu não possuía, antes, eram todas voltadas ao videogame, a bicicleta e aos brinquedos dos meus amigos. Cresci com o afã pela grandeza e por superação e hoje meus planos de vida são estratosféricos.
Minha mãe, cearense, retirante e mãe solteira, viveu por uns vinte anos no interior do nordeste brasileiro em situação precária, assim como todas as pessoas que ela conhecia na época, e seus objetivos econômicos, hoje, são os mais simplórios possíveis.
A opulência é subjetiva e a inveja engrandece o espírito, porém, quem tem impulso ao que é pequeno, quem é fraco e, mesmo dispondo de toda as condições para a vitória, perde constantemente, só se fortalece quando encontra seu “grupinho”.
O glamour é uma prerrogativa íntima do sujeito. O intercurso das massas não passa de palavras de ordem combinadas. A liberdade encarcerada do homem solitário me encanta.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

A Temporalidade do "Se"

Nem todas as coisas são tão inseguras quanto os céticos pressupõem, ou melhor, quase nada: fatos concretos, consumados e já existentes, organizam tudo o que possuímos, o resto é pura obra da nossa cabeça mefistofélica, metafísica, aturdida pelo monstro do acaso que é tão certo quanto a existência do tempo futuro que ainda viveremos.
A reflexão a posteriori inviabiliza a inserção do “se” no campo dialético, até porque, o “se” implica contingência e o passado já é determinado e imutável, portanto, esse mesmo “se”, quando nos referimos à acontecimentos de outrora, não passa de vício de linguagem. 
O “se” é um elemento discursivo que só pode ser aceito quando hipotetizamos possibilidades supervenientes. Essa relação é estritamente temporal. 
Só sucessos de outrora são didáticos ao ponto de mostrar no que a prática pode culminar, por isso, agarro-me sempre a história e, apesar de saber a fragilidade que ela carrega, nessa mesma, que às vezes pode ser mais suscetível a um peido do que a uma revolução, encontro meu último encosto existencial. 
A linguagem, a reflexão, a aflição, a angústia, o medo e mais toda espécie de emoção moral idiossincrática ao ser humano não concernem em nada no plano político das coisas, salvo quando essas mesmas disposições ganham seus contornos empíricos e são aplicadas de forma externa; depois, ao obtermos resultados, é da mais alta imoralidade os concebermos como mero efeito colateral que pode ser dissociado do âmbito do discurso teórico e, quando tentamos aprimorar as idéias excluindo esses pontos supostamente indesejáveis, todo ideário entra em processo de abulição, perdendo força e se dissolvendo por suas próprias falhas retóricas. 
Essa é uma das razões do entibiamento dos partidos de esquerda mundo afora: muitos deles, formados por pessoas ingênuas, diagnosticaram no exercício do marxismo comportamentos anti-éticos e extremamente fascistas, mas, como o socialismo sempre pregou um certo amor ao próximo através da extinção de classes, os Bolchevique, Mao Tse Tung, Fidel Castro e tantos outros, constantemente são vistos como um sonho não realizado por erros técnicos, ao passo de que, Hitler, Mussolini, Sadan Hussein e Bush são conhecidos como grandes opositores da moralidade. Ora! O que distingue uns dos outros, senão o discurso? Ou seja, a prática não importa?
Porque o “mas e se” só é usado no caso da quimera vermelha? Ninguém fala: “mas e se Hitler tivesse feito do jeito X ou do Z”, pelo menos não na América Latina. No leste europeu ninguém ousa questionar “e se” quando o papo é URSS. Lá, ninguém mais quer brincar de ser proletário oprimido. O sofrimento pode ser bom se o homem precisa se tornar adulto e não sabe como. 
A historiografia revela verossimilhanças indigeríveis. O mundo não está cheio de mentiras, está apenas repleto de verdades que a maioria das cabeças não conseguem assimilar. É claro que em tudo isso não há nenhum sentido, porém, se quisermos abusar do “se” como ferramenta para o futuro, é mais do que necessário analisar o desenvolvimento de doutrinas nos lugares onde elas efetivamente se estabeleceram como praxe política para não incorrermos a questionamentos do tipo: “porque deu errado?”. Tem gente que não percebe que o “errado” pode ser proposital e que o mesmo faz parte da estrutura do pensamento racional de quem o elaborou. Mesmo que não faça, porque continuar aceitando tais idéias como válidas? 
O poder de persuasão dos teóricos de esquerda é altíssimo: eles não são tão ingênuos quanto o secto que os seguem, isso pode corroborar o intuito pernicioso de tais pessoas. 
Eles dispõem do instinto dos perdedores ao seu favor. Qual é esse instinto? O manifesto, a reclamação e a insatisfação, até porque, o problema só pode ser o que me aflige e se a pobreza é o carma da maioria, a maioria, como bons democratas que somos, vai gritar contra o establishment
Está mais do que claro que o crescimento do Estado reduz o indivíduo e fortalece uma cúpula que ganha poderes cada vez mais ilimitados. Quando o jovenzinho que vai à Paulista mostrar o seu cartaz tiver essa noção, e vai ser da forma mais dura, talvez ele perceba que não há cadeiras no poder disponíveis a todos, só aí, perceberá que o Estado comunista é tão fajuto quanto a idéia de éden e vida após a morte e que a foice e o martelo são os espectros sagrados de uma religião barata de inteligentinhos de meia tigela. 
Mas “e se” lêssemos Dante Alighiere e Goethe aos quinze anos? Não foi assim, agora é preciso ter uma habilidade sem precedentes para explicar alguma coisa a pessoas que foram à escola aprender como colocar camisinha na banana. 
Essa foi minha educação, mas, apesar de toda a desgraça financeira e familiar, agora, só me aproprio do “se” nos conflitos vindouros. Isso pode não amenizar a tragédia existencial, mas, ao menos, não me torna mais um papagaio em nome do social.

Ambiguidade, Modus Operandi e Discurso

A doutrina de esquerda e suas derivadas que propõe a ampliação do Estado, são um antídoto dos mais plausíveis no momento em que julgamos que seus pressupostos são legítimos: desde cedo, aprendemos que a luta de classes e a desigualdade social é o maior problema que demanda soluções políticas do ser humano. Deve ser esse o motivo do êxito operacional dessas ideologias em países pobres, afinal, se o homem tem impulsos ao idiotismo (id = eu e ota = visão, logo, idiota é aquele que só vê a si mesmo), o desconforto é a única condição patogênica que tomamos a sério na hora de definir quais são os impasses a serem resolvidos. Essa é a nossa educação, ela só esqueceu de legar que o materialismo ateu também faz parte dessa potencialização que eleva a humanidade por meios externos em detrimento da consciência moral. 
Como o ateísmo pode se correlacionar com problemas de ordem prática e objetiva? Não acreditar em Deus não seria uma abnegação e abstenção do sentido da vida? 
O marxismo não tem sustentação conceitual, ao menos que entendamos o fascismo de uma ou duas cabeças em nome do que elas pensam ser o “bem”, algo a ser seguido como ordem universal. A idolatria é elemento fundamental no processo de consolidação da esquerda, exemplos não faltam: de Lênin à Lula passando por camisas do Che e idéias distorcidas da quimera cubana. Com Jesus Cristo ocorreu o mesmo fenômeno. O sagrado me parece um pouco mais elegante e menos vergonhoso quando o ponto de partida das nossas reflexões é usado como ferramenta retórica para embasar um sistema de problemática persecutório. 
Apesar das abundantes críticas, tanto da direita quanto da esquerda radical, à “Teologia da Libertação”, vejo nessa, certa racionalidade do catolicismo. Uma concepção honesta é aquela que não nega fatos e impressões correntes, ao passo de quê, se há um Deus onipotente e onipresente que reduz todo o resto de matéria a pó, a Igreja deveria reconhecer que o funcionamento da economia dignifica algumas pessoas e entibia a dignidade moral de outras, logo, já não estamos numa massa homogênea e a ganância pode levar, como diria Luiz Felipe Ponde: “a condição adâmica de querer estar no lugar de Deus”. 
É apenas uma questão política, sei que a intimidade ética e não o discurso público, é a única forma de conversar com Deus. Mas por que a Igreja, outrora tão atuante nas estruturas do governo, sempre resistiu à adoção do marxismo como modus operandi? Esse mesmo modus operandi só é legítimo quando temos um problema, esse problema é válido quando institucionalizamô-lo como verdade, e a verdade nunca pode existir na falta de fé, afinal, se nada tem sentido, qual seria o sentido da especulação acerca de valores quando nossa dialética não agrega nenhum valor logo no seu princípio? 
A própria dissidência da filosofia faz a distinção necessária entre ateus e niilistas; o primeiro, hoje, seria uma espécie de militante da ciência, já o segundo, é um ímpio mais trágico e sem nenhum compromisso com axiomas; aquele, apenas substituiu a religião; esse, perdeu o chão e, segundo um niilista famoso: “cai no abismo”, às vezes “dançando”, mas, na maior parte dos casos, tomando remédios. 
Tão logo me tornei ateu, encontrei-me em puro estado de niilismo. Minhas inclinações pueris as idéias de esquerda não duraram mais que dois meses, por isso, sempre achei que essa tragédia fosse uma percepção inerente e idiossincrática ao indivíduo que não acredita no sacro. É difícil digerir o valor produzido em laboratório, portanto, é intragável um método de discurso que se contradiz com o único intuito de se auto-elevar. Essa dicotomia entre ateus e niilistas, a meu ver, não faz muito sentido: um ateu militante está apenas brincando de pensar, e, esse tipo de gente, eu simplesmente ignoro. 
Percebe, caro leitor, como o elemento discursivo não passa de tradução da prática objetiva? A linguagem é isso, mas o que seria dessa na religião profunda e no estado de niilismo? Nos dois não há muita dependência dos fatos materiais, o que há é uma verdadeira miséria de modus probandi, há pequenas impressões que ganham dimensões inauditas dentro do sujeito, há mais beleza e menos falácia em busca de encômios, além disso, ainda tem a possibilidade, inviável em sistemas mais rígidos, de entrar em contradição nas conjecturações cotidianas. 
É tudo uma questão de modus operandi, e, me é crível que esse não tem muita afinidade com o discurso produzido, nem no marxismo nem na religião. Até mesmo no niilismo: alguns céticos consideram a civilização um lugar confortável para esperar pela morte; apesar da sociedade suprimir uma série das nossas liberdades naturais, ela nos ourtoga segurança jurídica e moral, assim, negociamos o potencial ilimitado de ação que o estado de natureza pode proporcionar em troca de conforto e de um jugo social em nome da preservação física do ser humano. O niilista não sabe de onde advém sua ética, mas muitos sofrem com a desgraça material alheia, então, porque também não aceitam a axiologia esquerdista, ou parte dela, como válida? 
Não fico mais ensimesmado com a natureza ambígua da nossa razão, ela não passa do distúrbio de um ser fraco e volátil que compreendeu há pouco tempo que a trajetória biológica tem um fim.

Who’s Got My Back Now?

A normalidade, como conceito, só pode ser conferida como produto da consciência do sujeito. O estado de “normal” jamais encontrará uma definição verossímil de forma absoluta, assim, para não entrarmos num caos sem fim, desfruto do imperativo categórico kantiano: só esse dispositivo filosófico me ourtoga suporte em determinadas problemáticas um pouco mais abstratas e, portanto, “líquidas”, como dissera Bauman. Num mundo deficiente, tudo o que não é fato empírico vira ar: algo que não vemos, mas sentimos apenas por intuição instintiva. 
Hoje, não há mais porque falar em discurso. O filósofo se tornou um amedrontado que se dá por contente apenas com o diagnóstico das coisas. Conjeturar acerca de valores ou tentar impugna-los, é tão eficaz quanto implorar pela vida na frente de um psicopata armado. 
Essa axiologia abismática não me enerva nem um pouco a escrever todos os dias, afinal, porque me movo quando minha impressão é a de que as cordas que me suspendem são tão frágeis e ignóbeis? Bem que eu queria acreditar que estou no caminho e todos os que não segui levariam a lugares piores do que meu status atual, mas não há garantias, a contingência só deixa questões implícitas. Nada me leva a crer que há vínculos mais fortes do que o futebol, o trabalho, a escala pentatônica e as pernas femininas transeuntes. Isso é tudo que constrói a sinergia que tenho com meus amigos e a puxar conversa com estranhos, deve ser esse o motivo pelo qual ainda não fui apresentado a um messias, um daqueles como Aliócha Karamazov. 
Não é humano viver nessa ilusão, pelo menos, não é normal de acordo com o sistema de pensamento kantiano. O quinhão majoritário da nossa espécie caminha inebriado, não pela política, mas por um encantamento sublime, inacessível a quem não treme diante da catástrofe existencial. 
Interpretar a consciência de pessoas ordinárias não é uma destreza que possuo, por isso, me satisfaço só com o verbo externado em público, talvez, esse seja meu maior defeito, mas, como não encontro ferramentas mais precisas, não me resta base para identificar etiologias. 
Se existe pensamento íntimo indigno de ser exposto, deve existir verdade. O fundo d’alma deve ser o único lugar fértil para o crescimento da proximidade com Deus. Sou narcisista, portanto, desconectado. 
O hinduísmo é uma das religiões mais intangíveis que existem, suas relações de abstração prezam pela palavra. Segundo a doutrina, o que é jogado ao vento repercute e retorna a quem o fez. Como nosso mundo é sujo e pecaminoso, é melhor a criatura repousar numa afasia sacra: cale a boca e não arranje problemas, o que importa é a relação interior. 
Deve haver algo no foro íntimo do secto religioso: uma comunicação espiritual que blasfemadores não entendem; só pode ser isso!
Aguentem essa ateus: somos os aleijados defeituosos! Algum anjo mal, imbuído de teodiceia, cortou nossas asas. A queda foi feia: arrebentamos a cara no exílio do paraíso e agora rastejamos com problemas respiratórios, enquanto isso, a santa humanidade paira sobre nossas cabeças e dá risada da nossa condição de serpente amaldiçoada. 
Onde buscar redenção? No reconhecimento de que não somos nada diante de um Deus tirânico? Essa conexão é extrínseca à vaidade, as duas não se dão muito bem. O homem que leva Narciso na barriga, de tão gordo, entala na porta do éden. 
Outro fundamento deveras relevante é esquecer a recompensa: admitir a possibilidade da coexistência de Deus e da finitude plena da vida carnal e espiritual. As trevas eternas não excluem o que é sagrado. O fato de a morte ser um fato determinado e imutável e da inexistência ser sempiterna não é uma das falácias mais argutas para o ateísmo. 
Talvez, tudo não passe da obra de uma bordadeira cega. A escultura também não ama o escultor, a música não tem afeto pelo músico e o peido nunca idolatrou a bunda. Mas, o artista admira sua obra e o ânus adora soltar um pum. Vejam só como o amor verdadeiro não pode ser recíproco! Só assim tenho esperança de que haja piedade para indiferentes, como eu. 
Sou uma obra vil, daquelas feitas em dias sem inspiração, que não transpõem emoção, que não transcendem e que não se enquadram no que Picasso definiu como: “a mentira que revela a verdade”. Só uma criatura, ou obra, feita com o estro divino, pode dialogar com o criador ou com o artista. 
Anseio pela humildade e por aceitação das hipóteses trágicas, mas, no dia que isso acontecer, já não estarei mais aqui: debruçado, tentando escrever alguma coisa fútil. Será que Deus acredita no herege que vos fala? Só espero não ser mais uma daquelas músicas que, de tão repetidas, dão ânsia e causam enfado no compositor que a executa sem intermitências. Maldito é o dia em que colocamos uma merda dessas no mundo! Isso só acontece com canções populares, ufa! Sinto-me tão distante dos ateus pueris. Às vezes, o pintor ama seu quadro defeituoso apenas pela originalidade: esse é o único resquício de expectativa que pode me absolver do fogo mefistofélico ou das trevas esquecidas.

Intempéries em Detrimento da Inteligência

O estupor da América de baixo, vez ou outra interrompido pela nostalgia revolucionária, demanda uma análise estrutural das suas causas. Distante de qualquer persecução por bodes clássicos (mídia, governo, família etc.), a compreensão da constante afasia política e intelectual que nos permeia, exige a coragem de quem está disposto a fitar a tragédia de uma patologia congênita e, muito provavelmente, crônica. 
Não, não é minha pretensão retornar a condição adâmica do homem explorada em meus ensaios anteriores. A aparição metafísica dessa reflexão aconteceu numa discussão vulgar acerca de valores culturais. Falávamos (não importa quem, como e onde) sobre a contenda histórica entre paulistas e cariocas. Uma das pessoas envolvidas no debate internacionalizou o papo com aquele chavão de que europeus são menos afetivos que os brasileiros. Retornei ao debute da conversa e tentei explicar diferenças de hábito que nos impressionam pelo que é estranho; exemplo: na cidade fluminense as pessoas vão ao banco de sunga, já na paulicéia, isso seria no mínimo caricato, senão, atentado ao pudor. Uma pessoa contra-argumentou ressaltando que no Rio há praias, logo, esse costume tosco entraria numa certa esfera de “normalidade”. Com o povo do velho continente sucede o mesmo fenômeno. As condições naturais do ambiente podem ser muito mais determinantes ao intelecto do que as relações políticas vigentes. Falo de cátedra, sei o quão é árduo pensar debaixo de um sol de trinta e cinco graus, mas, também sei o ensejo que a geada me oferece de ler um Proust, escutar um Debussy ou hipotetizar uma morte deliberada nas madrugadas. 
É plausível o fato de que preferimos o social em detrimento do intelectual, a meteorologia explica. 
É indiosincrático: a folia do carnaval, os abraços vagos e os sorrisos tolos são extrínsecos ao inglês, ao dinamarquês, ao norueguês e ao russo, afinal, eles têm motivos sobrando para não sair de casa. Já o latino americano, adora aproveitar o sol rachando para ir ao bar tomar cerveja. 
Introspecção X socialização, eis a patogenia com a qual chegaremos à inevitável segregação por estilo. Freud, em “Mal-Estar na Civilização”, dentre outros dois elementos, classificou a entropia (relação do homem com a natureza) como uma das principais causas de dor e agonia da espécie humana. O estoicismo do mundo concreto as nossas angústias pode levar à insanidade, um clássico exemplo é quando a criança ousa questionar o tamanho do universo, assim como o fez Stephen Dedalus:

Que é que haveria depois do universo? Nada. Mas haveria qualquer coisa em volta do universo para mostrar onde ele parava antes de começar o lugar do nada? Não poderia ser uma parede; mas bem que podia ser uma linha fininha, lá bem em volta de tudo. Era uma coisa muito grande para poder pensar em todas aquelas coisas e em todos aqueles lugares.” 
James Joyce; “Retratos de Um Artista Quando Jovem”. 
Tradução: José Geraldo Vieira, maio 1971. Editora: Civilização Brasileira S.A.  

Não existe patrimônio seguro, assim como não há instrumento de contenção. A deflagração de uma catástrofe cósmica pode reduzir à pó toda a história, toda axiologia e todos os edifícios. Será que existe algo em algum rincão que desconhecemos? Quem pode garantir que nunca houve civilização, humana ou não, cosmos afora? E se já existiu? E se existe? Será que são mais avançados do que nós? 
Só quem cresce infantilmente se torna adulto de verdade. Gente grande trabalha e se onera com um plano de carreira qualquer, ao passo de que não há mais tempo abundante para a instigação trágica. 
Enfim, como seriam os seres de um mundo distante? Provavelmente, esculpidos pela natureza climática do lugar, assim como os cariocas. 
A sede constante faz o errante do deserto idolatrar a água, assim, o coração não pulsa sem amor, ódio, raiva, inveja e ópera. Esse é o drama da poesia: sem solo fértil para a ontologia, a individualidade não existe, mas o que é inerente a fatores externos esgota a capacidade de ser puro, sendo assim, não temos personalidade redomática: o livre arbítrio é a maior mentira que a modernidade vociferou. Não me espanto mais com a tomada de consciência, mas, o pungente é que quando ela acontece, sua própria condição já implica num cárcere eterno da alma. 
Viver é como sentar na privada: quando você levanta e olha pra trás, a merda já está feita!

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Ruas Iluminadas, Roupas Limpas

"Na vida de bons cidadãos
Ruas iluminadas roupas limpas
Nada parece ser como é..."
Frase de Rodrigo Lima (não o que vos fala, claro, mas meu célebre homônimo canhoto).
Como bom destro que sou, ando sempre impoluto, imberbe e com sapatos italianos. Os transeuntes que cortam meu caminho, provavelmente, não sabem nada sobre minha vida pecuniária, deve ser por isso que, alguns deles, perseveram nas tragadas do meu Dunhill Carlton Blend. À um tipo ou outro (mulheres bonitas, principalmente) não faço muita cerimônia, mas com indigentes, desprovidos de CPF e fétidos, a coisa muda de figura: não me resta saída, uso o dispositivo do avulso: “não tenho, cara. Comprei avulso”. Esses dias um deles me falou: “então me dá o seu”.  
Qual o escopo da psicologia social, senão vitimizar os desamparados pelo dinheiro público? O capitalismo não pune ninguém, apenas exclui e derrota os preguiçosos.
Numa situação de total inassistência, acho que o suicídio me cairia como o único método de egresso. Mas, além de vagabundos e coitados, eles também são covardes. Um ser que não se constrange com a humilhação pública é capaz de atrocidades inimagináveis para quem come carne e bebe sangue todos os dias.
Roupas sujas e ruas escuras, também não são como parecem. Mas até eu, vez ou outra, sou arrebatado por uma compaixão sem parcimônia. A “memória involuntária” (como diria Proust) traz à tona os mendigos que outrora coloriam as ruas do centro: ali: um câncer exposto, acolá: um sujeito sem pernas. Acho que eles sabem que a dor alheia ao ver a barbárie, é muito superior a de quem a sofre. Vai pensando que eles não sabem o que é estrutura psíquica. 
Mas o que fazer? Se ignorar, sou arrogante; se olho e não dou esmola, estou coitadizando; se lhes enfio um golpe fatal, sou violento. Ora, o pensamento socialista incutiu em nossas cabeças a ideia de que somos culpados por isso de alguma forma!
Eles também sabem segmentar mercado e empreender, veja: no verão, quantos deles encontramos dormindo nas ruas? E no inverno?
Constrangimento, é isso! Eles subsistem à base de ares irrespiráveis, mas não dispõem de nenhum tipo de escrúpulo. Aí chega você, imbecil, e joga um real. Quanto tempo trabalhamos por um real? Em média de dez a vinte minutos, e olha que só com duas frases de efeito o cara já te inebriou e levou seu cobre.
Muitos deles recusam o auxílio estatal e refutam a ideia de morar em albergues: são como ciganos, tem na liberdade de locomoção seu bem mais estimado.
Outro absurdo contemporâneo é a história de tratar o “usuário de crack”, ou qualquer outra merda química que apareça, como “doente”. Legalizar as drogas (de forma irrestrita) é uma experiência interessante, porque há a possibilidade de desonerar o sistema carcerário e suas despesas, gerar oferta de emprego, arrecadar tributos e entibiar as atividades criminosas. Já o “usuário”, esse que se foda, desde que dê seu dinheiro em alguma coisa lícita.
Quantos anos levarão até que os governos entendam que a esmola de hoje não garante o almoço de amanhã? Não adianta nada mandar aviões de donativos à África Subsaariana, se, nesses países, não forem gerados novos postos de trabalho. Isso não passa de demagogia barata, coisa de populista latino-americano mesmo, esses que adoram praticar caridade com o que é dos outros. Roberto Campos é que sabia o que é Economia: “O Estado não dá nada que não tenha tirado do povo, e pior: devolve mal”.
Se discordar do que foi dito, aquiesça a todos os pedidos de esmola e faça as contas no final do mês.

Já encontrei uma solução liberal: vou andar com cartões de agências de emprego no bolso. O primeiro filho da puta que pedir um trocado, vai encontrar um caminho para se tornar homem de verdade, não um projeto de cidadão falido dos Estados sociais. 

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Exílio Edênico e o Best-Seller Jurídico

O exílio dos pecadores é aqui na terra, mas, porque o plano intramundano como sanção? A condição edênica não existe para os filhos de Adão: a pena é hereditária e ad eternum, só assim, a prática do que é profano não contagia o paraíso. Os religiosos sectários ainda não aprenderam a consubstanciação da sujeira às nossas almas e, deve ser com essa arrogância, que anseiam pela construção de obras perfeitas. Ter uma vida metódica, casta, limpa e sem máculas, não é uma prerrogativa de quem, outrora, se atreveu a erguer a mão em busca de prazer hedonista.
Sem um fito analítico desse palco de horrores, podemos incorrer a puerilidade de quem vê o milagre constantemente e fica estupefato com o acaso. Porque essa negação sistemática da contingência? Deixando de lado as explicações psicológicas, minha predileção é por observar o ser humano como um revoltado, sem intermitências na sua rebeldia, que tem na judicialização das coisas a sua atividade mais insigne.
Assim, Deus nos outorgou quase todos os modelos de entendimento de aplicação de punições ao indivíduo. A jurisprudência divina é opulenta, mas, como enviesados filhos que somos, elaboramos nossa autonomia; essa, sustentada numa tirania nunca vista na história bíblica.
Vitor Hugo foi preciso: “A vingança cabe ao indivíduo, a punição à Deus. O Estado está entre os dois: nada tão pequeno, nem tão grande, lhe convém.”
Ninguém se resigna ao ser vítima da contingência: sem um cadafalso ou uma agressão física ao que é de carne e osso, a alma fica vazia de sentido. Veja os crimes midiáticos: o desejo por encontrar culpados blinda a ética racional, mostrando que a comunicação entre o pensamento e os sentidos é quase sempre falha. Tem até uma teoria na doutrina do Direito batizada de “Teoria do Domínio do Fato”. Quer dizer: se você conhece uma circunstância por dentro e, mesmo podendo repreendê-la, se omite, você também concorre ao crime e suas devidas punições tipificadas em lei.
Engana-se quem pensa que a nação não manda no Estado. No caso do Brasil, nossa constituição é um espelho escrito dos valores adâmicos desse povo. Todos os grandes juristas, dentre eles Márcio Thomas Bastos, ocupam cargos nas estruturas do poder e não conseguem dialogar na sua própria matéria, simplesmente por serem suscetíveis a demagogia dos adversários e ao linchamento das massas. É consenso na doutrina a ideia de que delitos determinados pela força física (agressões corporais) são os únicos fidedignos de cárcere. Não podemos esquecer que a violência é a razão da existência do poder institucional, sendo assim, a penitenciária é uma ferramenta muito peculiar e específica que não pode dar suporte a todos os tipos de comportamentos que estejam em desacordo com a legislação.
Se Joaquim Barbosa fosse Deus, provavelmente teria construído uma prisão no paraíso e metido xadrez em Adão. Aí está a sabedoria bíblica: cada punição advém da sua razão. Adão experimentou o fruto proibido e foi expurgado do éden, simples.
A improbidade administrativa não merece pena de cárcere, quer dizer: é anti-ético “políticos corruptos” irem pra cadeia, independente dos efeitos de suas práticas. Nesse caso, uma cassação vitalícia de mandato e um confisco patrimonial já ficam de bom tamanho. Há uma série de outros casos que já na raiz o Estado perde seus limites éticos, isso não é uma racionalização em detrimento da moral, antes, é um exercício para entendermos que o Estado não pode oferecer ao sujeito o ensejo de tornar a prejudicar a ordem da mesma forma que outrora o fez.
O Direito é apenas um instrumento de controle das tensões sociais. Se tens suas indignações, guarde-as no foro mais íntimo possível.
Causa-me espanto a democracia grosseira na qual estamos imersos; nessa democracia: todo mundo pode deliberar sobre qualquer assunto. São como crianças que querem ingerir no orçamento da casa e não respeitam quem pode guiá-las.
Veja só a juventude mimada que pinta a cara e vai à Paulista cantar o hino nacional: querem pagar menos impostos e ter mais serviço público. O Estado tornar-se-á uma instituição de caridade privada sustentada pelo erário de algum messias desconhecido.

Nesse ponto há mais uma conversão com o pensamento punitivo bíblico, afinal, será que a palmada pedagógica é ética?